Nova lei dos condomínios: pontos positivos e negativos

 

Lei n.º 8/2022 entra em vigor dia 10 de abril de 2022 e revê o regime da propriedade horizontal. Que ilações se podem retirar?

  Gtres
Autores: @Frederico Gonçalves, Tânia Ferreira

Há uma nova lei dos condomínios que entra em vigor no próximo domingo, dia 10 de abril de 2022, que vai alterar a vida dos condomínios e também as transações imobiliárias. Todas as vendas de casas passam a ter de incluir uma declaração do proprietário relativa ao condomínio para que se realize a escritura, à semelhança do que acontece com o certificado energético, por exemplo.

As assembleias de condomínio têm novas regras de funcionamento e os administradores ganham novos poderes e obrigações. O novo diploma (Lei n.º 8/2022) também toca na constituição da propriedade horizontal. Para o presidente da direção da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC), há pontos positivos e pontos negativos nesta nova lei dos condomínios.

Vítor Amaral considera que o impacto da nova lei dos condomínios “não será grande para o mercado imobiliário”. Em entrevista ao idealista/news, o responsável detalha os pontos positivos da nova lei dos condomínios e enumera algumas críticas, salientando que muitas alterações “ficaram aquém do expectável e desejável". 

Segundo o especialista em gestão de condomínios, o “legislador poderia e deveria ter ido mais longe", de forma a abranger “outras situações” que não estão salvaguardadas na Lei n.º 8/2022. Eis a opinião do líder da APEGAC sobre a nova lei dos condomínios, explicada ponto por ponto, numa entrevista concedida por escrito ao idealista/news e que pode ser lida em baixo na íntegra. 

Nova lei dos condomínios
Vítor Amaral, presidente da direção da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios / APEGAC

Os pontos positivos da nova lei

  • O facto de passar a constituir documento instrutório obrigatório a declaração de encargos de condomínio em vigor e dívidas que possam existir. O adquirente pode prescindir da declaração, mas, em consequência, passa a ter a responsabilidade de pagar todas as dívidas do vendedor ao condomínio;
  • Os encargos de condomínios que se vençam posteriormente à transmissão da fração são da responsabilidade do novo proprietário;
  • A possibilidade da regra da permilagem para o pagamento das despesas do condomínio poder ser alterada por maioria do valor total do prédio, embora sem oposição. Até agora a lei exigia a aprovação por dois terços do valor total do prédio, também sem oposição;
  • Define objetivamente que as reparações das partes comuns afetas ao uso exclusivo de uma fração, como é o caso dos terraços de cobertura, são da responsabilidade do condomínio, salvo se a necessidade de reparação decorrer de facto imputável ao condómino que tem o uso daquele espaço;
  • Passa a ser possível a utilização do correio eletrónico para troca de correspondência entre administrador e condómino e vice-versa;
  • As assembleias de condóminos podem realizar-se, em segunda convocatória, meia hora depois da hora agendada, desde que, nessa altura, os presentes representem, no mínimo, ¼ do valor total do prédio;
  • O regime provisório, criado por causa da pandemia Covid-19, que permitiu as assembleias por meios de comunicação à distância, passa a estar previsto na lei a título definitivo;
  • Maior dever de informação aos condóminos por parte do administrador do condomínio, que também passa a estar obrigado a instaurar ação judicial para cobrança de dívidas no prazo de 90 dias a contar do primeiro incumprimento, desde que o valor seja igual ou superior ao indexante dos apoios sociais que, nesta altura é de 443,20 euros;
  • O condomínio é sempre representado em juízo pelo administrador, que também passa a poder apresentar queixas-crime;
  • A eficácia das deliberações da assembleia de condóminos não depende da assinatura e ou subscrição da ata, mas apenas da aprovação desta;
  • Os juros e mora e as sanções pecuniárias podem passar a ser incluídas na ação executiva de cobrança;
  • Condóminos estão obrigados a informar o administrador do número de identificação fiscal, morada e contactos telefónicos e de e-mail e a informar também os elementos de identificação do comprador, no caso de alienação da fração.
Condomínios com nova lei
Foto de Pablo de Haro no Pexels

Muitas medidas "não são claras"

Segundo Vítor Amaral, "apesar do grande elenco de alterações" que a APEGAG considera positivas, "muitas ficaram aquém do expectável e desejável". "Mas pior ainda é o facto de muitas delas não serem claras e proporcionarem interpretações e consequentes aplicações distintas, com a incerteza jurídica que isso cria", avisa.

Algumas das críticas apontadas pela APEGAG

  • Num artigo (1424º do Código Civil – CC) diz-se que as despesas do condomínio são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações e noutro artigo (1424º-A do CC) diz-se que a responsabilidade pelas dívidas é aferida em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada e que os encargos de condomínio que se vençam posteriormente à transmissão são da responsabilidade do novo proprietário, o que nos parece uma clara incoerência entre as duas normas, embora se possa dizer que a última se refere aos casos de alienação;
  • O artigo (1424º do CC) que define que as reparações de conservação nas partes comuns de uso exclusivo de uma fração são da responsabilidade do condomínio, diz-nos também que essa regra se aplica quando afete as partes comuns. Ora, por exemplo, no caso dos terraços de cobertura, os primeiros a ser afetados quando haja uma infiltração por falta de estanquicidade são as frações imediatamente por baixo, o que parece, numa interpretação à letra, que, nestes casos, a reparação não tinha de ser suportada pelo condomínio;
  • A norma (1431º do CC) que impõe a realização na primeira quinzena de janeiro das assembleias para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento manteve-se, sendo criado apenas um regime excecional para realização dessas assembleias no primeiro trimestre do ano, mas, repete-se, apenas de forma excecional. Ora, é humana e materialmente impossível uma empresa de administração de condomínios que tenha na sua carteira algumas dezenas de condomínios realizar as assembleias ordinárias em período tão curto, o que demonstra que o legislado desconhece em absoluto a realidade deste setor de atividade. A doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que aquela norma não é imperativa, por não salvaguardar interesse de terceiros, o que significa que nada impede que os condóminos aprovem um exercício do condomínio que não seja coincidente com o ano civil. Por exemplo, se um exercício económico de um condomínio iniciar no dia 1 de maio, termina esse exercício a 20 de abril, sem a violação de qualquer norma imperativa. O legislador poderia e deveria ter alterado esta norma de forma a permitir a realização das assembleias designadas de contas, no prazo de 90 dias, ou outro prazo, após terminar o respetivo exercício;
  • No que respeita à introdução da possibilidade de utilização de correio eletrónico entre condóminos e administrador e o contrário, apesar de ser de saudar, é mais o exemplo de uma deficiente construção normativa, porque impõe que os condóminos manifestem essa vontade de receber correspondência do condomínio por e-mail em assembleia, devendo ficar a constar da ata o respetivo endereço de correio eletrónico, que é um dado pessoal e, como tal, poderá vir a ser considerado como uma violação do Regulamento Geral da Proteção de Dados, quando teria sido muito mais simples, objetivo e inatacável, que os condóminos emitissem declarações individuais a manifestar essa vontade e a identificar o endereço de correio eletrónico;
  • Ainda sobre o correio eletrónico, a lei prevê que os condóminos emitam recibo de receção dos e-mails que recebam, como, por exemplo, com as convocatórias e comunicação das deliberações. Porém, não determina qualquer prazo, nem cominação, o que leva a questionar o seguinte: por quanto tempo deve o administrador aguardar esse recibo? Se algum condómino não emitir o recibo de receção do e-mail considera-se ou não convocado/notificado?;
  • Está prevista a subscrição da ata por correio eletrónico, mas não se prevê também qualquer prazo para essa subscrição ou qualquer cominação, o que levanta o mesmo problema ao administrador, por não saber quanto tempo aguardar e o que fazer caso não receba a subscrição;
  • No caso das assembleias de condomínio através de meios de comunicação à distância, o regime provisório previa que, na impossibilidade da sua realização por aqueles meios, teria de ser realizada no modelo misto ou presencialmente. Com esta alteração, eliminou-se a possibilidade de realizar a assembleia no modelo misto, o que é um absurdo, por ser a forma de realização mais utilizada, na medida em que, na maioria dos condomínios, há sempre alguns condóminos que não aderem à componente virtual e, desta forma, o legislador retira a possibilidade aos restantes de participarem na assembleia sem estar fisicamente presentes;
  • O fundo comum de reserva serve para custear despesas de conservação e visa evitar a degradação do edificado. No entanto, o legislador vem agora permitir que este fundo possa ser utilizado para outro fim, embora imponha, sem qualquer cominação, que seja restituído no prazo máximo de um ano. Certo é que a lei, ao permitir esta utilização, vulgariza o fundo de reserva, que já é difícil de constituir, por falta de incentivo para a sua constituição;
  • Apesar da obrigatoriedade dos condóminos identificarem ao administrador o seu número fiscal, morada e contactos, não prevê qualquer prazo nem cominação, o que torna a norma inócua, quando existem milhares de execuções para instaurar por desconhecimento do número fiscal dos condóminos. Além da cominação pela não apresentação desses elementos, a lei deveria possibilitar que o administrador do condomínio tivesse legitimidade para obter o NIF junto dos respetivos serviços de finanças.
Gestão de condomínios com novas regras
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"Legislador poderia e deveria ter ido mais longe"

O presidente da direção da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC) considera ainda que "além destas críticas, que merecem reflexão, o legislador poderia e deveria ter aproveitado a oportunidade para ir mais longe e ter abrangido outras situações".

Que situações deveria a nova lei também abranger?

  • Impor a obrigatoriedade do seguro coletivo do edifício e não apenas o seguro contra o risco de incêndio, que é o único obrigatório. Da forma como a lei se encontra permite a realização de seguros individuais, mistos ou coletivos, quando os primeiros acarretam grande dificuldade de gestão sempre que haja um acidente nas partes comuns;
  • De forma a estimular a realização de obras de conservação e até de adaptação para as novas exigências energéticas, com metas nacionais que terão de ser cumpridas a curto e médio prazo, deveriam ser criadas linhas de crédito para os condomínios, sem impor o aval de todos os condóminos, o que torna impraticável qualquer pedido de financiamento, bem como a aplicação da taxa mais reduzida de IVA para tais obras e alterações;
  • Deveria ser obrigatório, para criar maior segurança para os cerca de cinco milhões de portugueses que vivem em condomínios, o administrador do condomínio contratar um seguro de responsabilidade civil profissional;
  • As contas do condomínio, que são uma enorme fonte de fuga ao Fisco, deveriam ser apresentadas, mesmo que de forma resumida, na Autoridade Tributária.

Retirado do Idealista - Adaptado por Dicas Imobiliárias


 

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