Usar máscara é fundamental


Macau é visto como um exemplo ao nível mundial no combate à Covid-19. O porta-voz dos Serviços de Saúde do território explica tudo o que estão a fazer.

 

Quando se iniciou a crise do novo coronavírus, o médico Jorge Sales Marques, de 60 anos, que trabalha há cinco no Centro Hospitalar Conde São Januário, foi nomeado porta-voz dos Serviços de Saúde para epidemia Covid-19. Numa entrevista à VISAO, o médico, com a especialidade de Pediatria, explica todas as medidas que foram tomadas e que estão a transformar Macau num exemplo a seguir: só teve 10 casos iniciais e agora 15 importados de vários países.
Neste momento, quantos doentes tem Macau?
Estivemos 40 dias sem casos, mas agora temos 15 que foram importados de vários países.
O primeiro desses casos importados foi o de uma residente macaense que veio de Portugal?
Sim, foi. Ela e o namorado, que é português, foram passar férias ao Porto e, quando regressaram, ela vinha infetada. O segundo caso foi o de um industrial espanhol que voltou de Madrid. Os restantes vieram de outros países. Estão todos internados. E quando tiverem alta vão ficar 14 dias de quarentena num hotel.
Não podem ir logo para casa após a alta?
Não. Aqui, em Macau, quando saem do hospital, após terem três dias sem tosse e sem febre e dois testes negativos em dois dias consecutivos, os doentes ficam mais 14 dias em quarentena, num hotel que o Estado alugou ou noutro hospital.
E qual a razão para este procedimento?
Porque entre 14 % e 15 % dos casos pode recidivar. Isto é: pode voltar a aparecer positivo. Por isso, os doentes só voltam para casa ao fim de fazerem cinco testes negativos dois no final do internamento e três na quarentena. Os testes são muito importantes e essenciais no controlo do vírus e da sua propagação. Todas as pessoas que entram em Macau os fazem.
Todas?
Sim. Quando entram, além de lhes ser medida a temperatura na fronteira ou  no aeroporto, todos os passageiros, independentemente de terem ou não mais de 37,3 graus (que consideramos febre), vão ao hospital fazer testes. Os que derem positivos ficam internados, os que derem negativo vaõ, como acontece com quem tem alta, para um dos quartos dos vários hotéis que existem para as quarentenas e ficam 14 dias isolados.    
E como funciona a quarentena?
Os funcionários do hotel medem-lhes a temperatura, todos os dias, duas vezes, uma de manhã, outra à noite. Ao longo da quarentena, são feitas ainda três recolhas para testes. Os funcionários andam vestidos com fatos de proteção, daqueles que parecem astronautas. Durante duas horas por dia, os familiares podem levar-lhes comida e bens, mas não podem estar com eles.
Quantas pessoas estão, neste momento, em hotéis?   
Duas mil, em sete hotéis exclusivos para a Covid-19, E ate 31 de Março vão chegar 600 a 700 estudantes que são residentes.
É esse procedmento rigoros que tem permitido a Macau controlar o vírus?
Ao todo tivemos só 25 casos. Os 10 iniciais e depois agora estes 15. E nenhuma morte. Somos considerados o melhor exemplo ao nível mundial. A nossa prioridade foi cotrolar primeiro a propogação na comunidade, pois sabiamos que, quando o coronavírus se espalhasse pelo mundo, iríamos ter novos casos. Mas conseguimo-lo com coragem. Quando tínhamos apenas três casos, cancelamos todas as celebrações; com quatro casos, encerramos as escolas e, pouco depois, fechamos os casinos.
Macau tem um modelo específico de defesa contra a Covid-19?
A nossa atuação baseia-se em cinco ações: o controlo da temperatura de todos, o uso de márcaras, as lavagens das mãos o fim dos aglomerados e o autoisolamento. Foi com estas cinco medidas que contivemos a epidemia. O controlo de temperatura, por exemplo, permitiu detetar o vírus em 40% dos casos, enquanto as máscaras permitem evitar propagação.



Em Portugal é preciso controlar o problema. Têm de ser rigorosos e já. Não se podem transformar na segunda Itália. O que está a acontecer não é um filme de Hollywood, é real. 

 

Em Macau todos usam máscara?
Sim, todos. Foram colocadas no mercado 30 milhões de máscaras e cada pessoa, de dez em dez dias, pode ir à farmácia buscar dez máscaras por 8 patacas, cerca de 80 cêntimos. Já vamos para a sétima entrega de máscaras.
Em Portugal, há muitas dúvidas sobre o enefício do uso das máscaras...
Elas são determinantes. Usar máscara é fundamental. Não há dúvida alguma. Basta ver que há 20% de casos que são assintomáticos e que não se detetam com a febre. E só com o uso da máscara é que se evita que esses doentes, que não sabemos quem são, contaminem outros. E não nos podemos esquecer de que cada doente infeta em média, três a seis pessoas. Por isso, os assintomáticos são muito importantes para se evitar contágio. Além disso, lançámos uma grande campanha para explicar como se usa corretamente as máscaras.
E continuam a usá-las?
Sim. É obrigatório em sítios, como supermercados, transportes públicos, etc. Não podemos dar um milímetro de vantagem ao vírus. 
Cada máscara dura quanto tempo?
Em média, pode durar um dia, mas depende do local onde a pessoa se encontra. Nós hospitais, os médicos estão sempre a mudá-las.
Fechar os casinos foi decisivo?
Fizemos o mais radical. Macau ficou parado. Tivemos o primeiro caso a 23 de Janeiro e ao 13º dia os casinos fecharam. Foi uma decisão muito corajosa do Governo que tinha tomado posse há 15 dias. Agora já reabriram, mas com muitas regras. E nas fronteiras passámos a medir a temperatura a todos, e fazíamos-lo por duas vezes, tendo as pessoas de esperar sempre seis a oito horas.
Porque faziam isso?
Para impedir que algumas pessoas tomassem antipiréticos para passar e não registar febre. Mas, além destas medidas, há uma que é mais eficaz: 
o autoisolamento.
É essa a melhor solução?
O vírus vive à custa das pessoas, e sem elas perde força, deixa de ter mutações. Um vírus tem sempre um prazo de validade, mas precisamos de estar unidos e de cumprir as regras para ganhar esta guerra. Quando as pessoas não cumprem e andam na rua, o vírus agradece, pois ganha força e mais resistência. Ficar em casa é a chave do sucesso.
O que acha que causou o atual cenário em Itália?
Dois fatores: o não cumprimento das regras e o facto de existirem muitos idosos. Sabe-se que, abaixo dos 39 anos, o risco de contágio é de 0,2% a 0,3%  abaixo dos 20 anos, é de 0,2 e abaixo dos 10 anos, é de apenas 0,1%.
Sei que está a estudar por que razão as crianças são tão poupadas. Chegou a alguma conclusão?
Há sete coronavírus que atingem os humanos. Os que provocam a SARS, aMERS e a Covid-19 são os mais graves. Os restantes quatro são vírus que costumam afetar as pessoas, as crianças, com refriados comuns. Ou seja: entre 10% e 30% dos resfriados que costumam circular são coroavírus, e isso deixa memória no sistema imunológico das crianças que são as que mais afetadas por este tipo de doenças.
Portugal já pediu ajuda à China?
Todos esses contatos são feitos via diplomática.
O que acha das medidas tomadas em Portugal?
É preciso controlar o problema interno. Têm de ser rigorosos e já. Não se podem transformar na segunda Itália. O que está a acontecer não é um filme de Hollywood, é real. Não podemos peder tempo nem dar mais vantagem ao vírus, Já demos tempo a mais.
Mas Macau tem um PIB bem mais elevado do que Portugal, o que facilita certas mediadas.
Sim, é verdade. Mas neste momento o que é mais importante? O que está em causa é sobrevivência. Tem de se salvar o País, o mundo. Estão a morrer 3,5% dos doentes que mundialmente podem ser milhões - sem contar com Itália, onde já morreram 9 por centro.
E Macau é também é um território pequeno...
Sim, mas em 2019 teve 40 milhões de turistas.
Neste momento, quem pode entrar em Macau?
Só residentes. Ao segundo caso importado fechámos as fronteiras a todo o mundo, à exceção dos trabalhadores não residentes. E recentemente, ao quinto caso importado, fechámos fronteiras até a esses, e só entram trabalhadores não residentes que da China, Hong Kong e Taiwan. E como lhe disse, todos os que chegam fazem testes. Os positivos começam logo o tratamento.
Como os tratam?
Usamos um medicamento chamado Kaletra, um antivírus, para o VIH, que foi já utilizado, com bons resultados, em 2002, para tratar doentes com SARS. Até porque este vírus que causa a Covid-19 tem 80% do material genético da SARS.
Acha que se vai conseguir derrotar este vírus?
Disso eu não tenho dúvidas.   

 

 

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